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Quando o cinema e a música se encontram

  "O violino do meu pai", filme turco da Netflix, é uma lindeza. A história gira em torno da menininha, seu tio e a música. Fala dos laços familiares, das mágoas e medos que cada um carrega e das barreiras internas que construímos, do poder transformador do amor, do afeto, do cuidado. Eu amei, prende do início ao fim, tomadas bonitas de Istambul, personagens interessantes, trilha sonora que toca a alma da gente, diálogos sensíveis. É daqueles filmes que faz rir e chorar e nos deixa com o coração morninho. Outro filme especial! Esse está no Amazon Prime. CODA (Child of Deaf Adults), em português ficou "No ritmo do coração". É uma releitura do ótimo "A Família Bélier", lembram? Nessa versão, os pais e o irmão são realmente surdos. Ruby é a única pessoa da família que escuta e, ao longo dos seus 17 anos, sempre foi a intérprete, o elo de contato entre sua família e o mundo. Até que ela se vê dividida entre ficar ou seguir sua vocação de cantar e ir para a fac
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A palavra que resta

  "A palavra que resta" é sobre a bonita e triste história de Raimundo e seu amor por Cícero. Os dois rapazes são amigos de infância, já adultos, se descobrem apaixonados e vivem essa relação por dois anos, encantados um pelo outro. Até que os pais descobrem - surras, não aceitação, palavras duras, segredos de família revelados, medos - e eles se afastam. "[...] o rapaz admirado perguntar pra moça se ela tinha visto os dois machos de mão dada, eu pensei que no segundo seguinte minha mão não ia mais estar na tua ou eu queria que ela não estivesse, não sei, mas eu não larguei e tu não largou, e eu fiquei pensando se um dia a gente ia poder fazer do mesmo jeito na frente de outras pessoas, passar pelo mundo de coração e mão dada um ao outro [...]" Um encontro marcado, um deles não comparece, uma carta que é entregue, o outro que é analfabeto e não pode lê-la. 50 anos de uma carta guardada. O aprender a ler e escrever aos 71 anos. Uma vida de expectativa, de conjecturas

A gorda, de Isabela Figueiredo

O livro "A gorda", da escritora portuguesa Isabela Figueiredo, é ficção e pura realidade, como nos adverte a autora. Fala da vida de Maria Luísa, uma menina/mulher gorda. E a partir desse olhar, vamos conhecendo seus sonhos, dilemas, sua relação com seu pai e com sua mãe, com os colegas de escola, com o namorado. Logo no início ela nos surpreende com uma epígrafe sonora, uma seleção de músicas que embalaram a sua vida. Ao longo dos capítulos, ficamos a imaginar a trilha daquele momento: "I put a Spell on You", com Nina Simone; "Dancing Queen" com Abba ou "Turning Time Around", de Lou Reed? Aos poucos, ela vai costurando a história, passando pelas partes da casa, uma personagem viva, nos revelando a Luísa estrangeira - seus pais vieram de Moçambique para Portugal quando ela era pré-adolescente -; a estudante de ótimo desempenho nos estudos e tão pouco hábil com o próprio corpo; a adulta, já profissional, de poucos amigos; a morte do pai, o envelhe

Torto Arado: a história dos moradores de Água Negra

  Por que ler Torto Arado ? Porque só se fala nisso e todos estão lendo (rs); por se tratar de um romance premiado aqui no Brasil e também em Portugal, vencedor dos prêmios Leya, Jabuti e Oceanos; para prestigiar o autor Itamar Vieira Junior, baiano, de Salvador; para conhecer a realidade dos trabalhadores rurais que ainda vivem em situação análoga à escravidão; porque o romance é uma delícia! É dividido em 3 partes: são 3 narradoras, 3 vozes femininas, 3 perspectivas. Os capítulos são curtos, o que dá ritmo à leitura, dá vontade de ficar lendo sem parar. A cada hora, sua agonia. Um outro motivo, confesso que esse foi o que mais me tocou, é viver a vida dos personagens - da infância à velhice -, a forma como cada um lida com suas questões, suas forças, seus medos, suas coragens, suas revoltas. Acompanhar um povo ainda conectado à Natureza, que sente que não apenas faz parte dela, mas É a própria natureza - a terra, o vento, o sol, as águas. Um tempo e espaço do Jarê , na Chapada Diama

Sobre os ossos dos mortos, da prêmio Nobel Olga Tokarczuk

    Essa é uma história aparentemente comum envolvendo pessoas simples de um vilarejo na Polônia. Até que assassinatos começam a acontecer e a senhora Dusheiko, Dísio, Esquisito, Boas Novas e outras personagens se envolvem nas investigações. Como pano de fundo, a autora reflete sobre a relação do homem com a Natureza, especialmente os animais, e também as inter-relações, o sentido da própria vida.  "Longos anos de infelicidade degradam um homem mais do que uma doença letal." "Realmente eram pessoas que viviam num poço - caíram nele e há muito tempo e agora ajeitavam a vida em seu fundo, pensando que o poço era o mundo inteiro." " - Sabe, às vezes tenho a impressão de que vivemos num mundo que nós mesmos projetamos. Determinamos o que é bom e o que é ruim, desenhamos mapas de significados... E depois, durante a vida inteira, lutamos contra aquilo que concebemos. O problema é que cada um tem a sua própria versão, por isso é tão difícil as pessoas chegarem a um ac

Envelhecer: uma honra, um temor, uma aventura?

  Ontem vi "The Father", traduzido como "Meu pai", co-produção Reino Unido e França. Direção e roteiro de Florian Zeller, com 6 indicações ao Oscar 2021 - Melhor Filme, Melhor Ator para Anthony Hopkins, Melhor atriz coadjuvante para Olivia Colman, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte e Melhor Montagem. O filme conta a história de Anne (Olivia Colman) e Anthony (seu pai, interpretado por Anthony Hopkins), cujo processo de demência exige adaptação de ambos para o viver em novas condições. Aos poucos vamos compreendendo que a narrativa nos coloca dentro da perspectiva de Anthony, a cada giro de cena novos elementos nos são apresentados, novos vieses. O que é real? O que é a doença pregando peças em Anthony? O cenário é personagem também, ajuda a construir o quebra-cabeças, estamos na casa de Anne, no apartamento de Anthony, estamos no Asilo, onde estamos? Aonde as memórias de Anthony nos conduzem? O mais interessante e bonito do filme para mim é que Zeller n

A ridícula ideia de nunca mais te ver

"A ridícula ideia de nunca mais te ver" é sobre o luto, o da autora Rosa Montero, por seu marido que morreu de um câncer; e o da cientista polonesa Marie Curie - contado a partir dos diários da própria Marie - pela morte súbita de seu companheiro, o também cientista Pierre Curie. "Mas você não se recupera nunca, esse é o erro, a gente não se recupera: se reinventa." Rosa Montero vai costurando a narrativa sobre a vida dessa cientista brilhante, ao tempo em que reflete sobre a dor da perda, a morte, o luto, o poder redentor da arte. Eu gostei muito, é íntimo e histórico, por vezes a autora se desnuda, mas sem perder de vista a história de vida de madame Curie. "Assim eu soube o que era a dor psíquica, que é devastadora por ser inefável. Já diz a sabedoria popular: Fulaninho enlouqueceu de amargura. A tristeza aguda é uma alienação. Você se cala e se fecha." Marie Curie era polonesa, naturalizada francesa. Foi a 1a mulher a ganhar um prêmio Nobel (1903, em f