O livro "A gorda", da escritora portuguesa Isabela Figueiredo, é ficção e pura realidade, como nos adverte a autora. Fala da vida de Maria Luísa, uma menina/mulher gorda. E a partir desse olhar, vamos conhecendo seus sonhos, dilemas, sua relação com seu pai e com sua mãe, com os colegas de escola, com o namorado. Logo no início ela nos surpreende com uma epígrafe sonora, uma seleção de músicas que embalaram a sua vida. Ao longo dos capítulos, ficamos a imaginar a trilha daquele momento: "I put a Spell on You", com Nina Simone; "Dancing Queen" com Abba ou "Turning Time Around", de Lou Reed?
Aos poucos, ela vai costurando a história, passando pelas partes da casa, uma personagem viva, nos revelando a Luísa estrangeira - seus pais vieram de Moçambique para Portugal quando ela era pré-adolescente -; a estudante de ótimo desempenho nos estudos e tão pouco hábil com o próprio corpo; a adulta, já profissional, de poucos amigos; a morte do pai, o envelhecer da mãe; sua relação com os animais; seu grande amor por David. Entre luto, solidão, descobertas, paixão, a autora vai nos mostrando como o "ser gorda" foi marcante na vida dela, na construção de sua autoestima, no julgamento - dela e dos outros - do que era permitido ou não a ela.
"As raparigas divertiram-se clamorosamente durante quatro longas horas [...]. Eu e a Teresinha ficámos sentadas na primeira hora, depois na segunda, e a esperança esfumou-se. Não fomos solicitadas para dançar. Nem por colegas da nossa turma nem de outra nem de outro ano, internos ou externos. Não servíamos a ninguém. Nenhum rapaz."
É melancólico em vários momentos e duro. O não se sentir pertencendo a grupo nenhum. Sempre muito sozinha e com o sentimento, que era reforçado pelos outros, de que ser gordo é feio, é ruim. É não ter coragem de tomar banho na frente das colegas de turma, no colégio interno; é não ser chamada para dançar; é não poder visitar o namorado porque os amigos dele não a aprovam; é ouvir da mãe que precisa emagrecer para não ter o mesmo fim do pai, um AVC. É não confiar em si mesma e colocar o "ser gorda" como a sua "história única", a gordura a definiu e a limitou.
Ao final, encontra sua "redenção" pela gastrectomia, elimina 40 quilos, e, mesmo ainda se sentindo gorda, consegue se acolher, enxergar-se para além da gordura.
"Toco o meu corpo, as minhas queridas mamas volumosas, que tombam para o lado quanto tiro o sutiã. O meu corpo ainda grande, que passei a amar como é. Tal como é. Que bonito é o meu corpo! Que gorda tão doce! E que poder! Como é que não percebi antes, como é que pude escutá-los todos aqueles anos?! Por que lhes dei ouvidos, sabendo que era eu quem estava certa? A troça recairia sobre o trocista, caso eu nunca a tivesse aceitado como aceitei. Que bela mulher eu sempre fui! Um corpo tão perfeito, tão imponente, como pude desamá-lo tanto?"
É isso, somos uma sociedade capaz de muitas atrocidades, grosserias, maldades... em grupo, então, parece que todo comportamento sombrio se legitima e ganha força. Façamos diferente! Isso pode acabar em mim, em cada um de nós. Sejamos mais acolhedores conosco, mais empáticos com as batalhas que cada um trava.
"Escolho no YouTube a Ária na Corda Sol para violino e piano, de Johann Sebastian Bach, que ouço baixo, em fundo, e estendo-me no sofá. Fito o teto e acabo por fechar os olhos. Evado-me, escutando a música."
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