Ontem vi "Últimos dias em Havana" (Últimos días em La Habana), co-produção Cuba e Espanha, e fiquei tão impactada que, agora, 24 horas depois, não consigo parar de pensar no filme... A direção e parte do roteiro (parceria com Abel Rodríguez) é de Fernando Pérez. Não consegui refletir sobre o filme sem dar algum spoiler, pouca coisa!rs
Em uma Cuba pós-Revolução, dois amigos moram juntos, ajudando-se mutuamente; o dono da casa, Diego (Jorge Martínez), embora portador do vírus da AIDS já em fase avançada, mantém algum bom humor, sofre por não ter mais a vida que gostaria, é solar, empático, irreverente. Já seu amigo desde os tempos de colégio, Miguel (Patricio Wood), é soturno, desinteressado pelas coisas da vida e pelas pessoas que o cercam, sustenta-se no sonho de emigrar aos Estados Unidos (é sua "Pasárgada"! Uma América idealizada - como são todos os sonhos, ou não? - , ao ponto dele não conseguir nem ouvir no telejornal nada que desabone sua aura de perfeição). Apesar de possuírem características tão distintas, eles são mais que amigos, são família. A cena onde Miguel demonstra mais emoção, saindo do seu tom cinza, é justamente por medo de perder Diego.
O ritmo do filme é lento, a maior parte do tempo acontece no apartamento de Diego e Miguel, algumas externas da cidade de Havana, notadamente do centro, e do restaurante onde Miguel trabalha, lavando pratos. Há personagens coadjuvantes que vão construindo o cenário: ao tempo em que mostram uma perspectiva dura da vida em Cuba, nos mostram dilemas humanos, universais: luta pela sobrevivência, necessidade de ser amado, insubordinação/idealismo adolescente, alienação pelas distrações ilusórias, como o futebol, o sexo e o fanatismo religioso. A mesquinharia e a solidariedade. Lado a lado. O personagem que parecia bonzinho, solidário e dedicado à família, revela-se interesseiro e descobrimos que nem família havia... um outro com motivos para desistir da vida, com cicatrizes pós-guerra, demonstra resignação e gratidão por continuar vivo. Todos esses recortes alinhavados por uma fotografia forte e criativa e uma trilha sonora que nos deixam com os olhos marejados e com aquela sensação de "soco no estômago".
Confesso que se eu não tivesse ido a Havana em abril desse ano e me hospedado justamente no centro e conversado com cubanos e visto a realidade (ou parte dela, o que é A realidade, afinal?), talvez concordasse com algumas críticas que li que consideram o filme uma propaganda anti-revolução, um retrato decadente de um país, de uma sociedade em ruína. Prefiro enxergar o plano geral, alguns querem sair, outros querem ficar. Todos estão vivendo da maneira que conseguem. "Aqui nesse quarto não há o tempo". E o fecho irônico brinca com o óbvio: Miguel finalmente consegue emigrar e termina fazendo exatamente o mesmo que fazia em Havana, no maior símbolo dos Estados Unidos, cercado de frio e neve, uma paisagem dura como parece ter sido toda a vida de Miguel... como é a realidade de tantos que vivem sem esperança, sem o pão, sem sorriso no rosto, sem um teto, morrendo de fome e de desamor. O filme é lindo.
Compartilho algumas críticas que achei interessantes:
https://elpais.com/cultura/2017/04/06/actualidad/1491431357_286253.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/23/cultura/1503510456_177603.html
http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,ultimos-dias-em-havana-consegue-mostrar-alma-profunda-de-cuba,70001953903
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-239390/criticas-adorocinema/
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