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Homenagem aos gatos

Por que será que tantas pessoas antipatizam os bichanos, achando-os interesseiros ou egoístas? Talvez porque geralmente julgamos o novo a partir de modelos pré-existentes. Assim, no nosso arquivo mental “animais de estimação”, o modelo, por ser o mais popular, é o cachorro. De sorte que todo animal que se pretenda ser de estimação será comparado ao cão. E, obviamente, um papagaio, uma chinchila, um hamster, uma calopicita, um cágado... um gato, enfim, não são a mesma coisa, embora todos possam ser domesticados.



Bem, aí começam os pré-julgamentos, os pré-conceitos (e acho que essa hipótese serve para vários contextos!) e os mal entendidos. Uma mente aprendiz mantém-se aberta a novos conceitos, cheiros e sabores, pois ela compreende que há diversas maneiras – nem melhores nem piores – de significar o mundo e seus mistérios. Ao contrário, uma mente estreita é rígida, presa ao já conhecido, segura em suas âncoras, acomodada e preguiçosa.


Mas o que isso tem a ver com os gatos?! : ) Tudo. Explico-me. Só a ignorância (ausência de conhecimento) permite que alguém espere que um gato comporte-se igual a um cão.
 
“Um cão, eu sempre disse, é prosa; Um gato é um poema” (Jean Burden).  


“E não obedeceria porque gato não obedece. Às vezes, quando a ordem coincide com sua vontade, ele atende mas sem a instintiva humildade do cachorro, o gato não é humilde, traz viva a memória da liberdade sem coleira. Despreza o poder porque despreza a servidão. Nem servo de Deus. Nem servo do Diabo.”



Lygia (Fagundes Telles) fala com a sabedoria de quem conviveu com cães e gatos e, claro, com a delicadeza (em tantos, ausente) das almas sensíveis,


“gato não dá gargalhada, só cachorro. Meus cachorros riam demais abanando o rabo, que é o jeito natural que eles têm de manifestar alegria, chegavam mesmo a rolar de rir, a boca arreganhada até o último dente. O gato apenas sorri no ligeiro movimento de baixar as orelhas e apertar um pouco os olhos, como se os ferisse a luz. Esse é o sorriso do gato – ô bicho sutil! indecifrável. Inatingível.


E que prazer essa conversa com um gato, deitado juntinho da gente, ele sorri em silêncio, levanta o pescoço pedindo carinho, ronrona de satisfação. Mas só quando ele quer, viu? Não adianta forçar... não é um brinquedo, é preciso respeitá-lo. Essa talvez seja a mais importante lição que os felinos nos ensinam, cada um tem um ritmo, não podemos impor a nossa cadência aos outros.

 

“Fingido? Não, ele nem se dá ao trabalho de fingir. Preguiçoso, isso sim. Caviloso. Essa palavra saiu da moda mas deveria ser reconduzida, não existe melhor definição para a alma do felino. E de certas pessoas que falam pouco e olham. Olham. Cavilosidade sugere esconderijo, cave – aquele recôncavo onde o vinho envelhece. Na cave o gato se esconde, ele sabe do perigo.”
 

O gato tem um ritmo suave, seu andar é elegante, mas é impressionante a sua rapidez ao caçar uma presa, não desiste enquanto não consegue. É ágil, sabe dormir, alonga-se ao acordar, faz várias refeições ao longo do dia, come porções pequenas, enterra as próprias fezes instintivamente, é um lord.rs



"Por alguma razão obscura, escolheu minha casa: estendi a mão afeita a acariciar cabeça de cachorro. Mas cabeça de gato não é cabeça de cachorro – primeira lição que ele deu ao recuar com uma soberba que me confundiu. A conquista do gato é difícil, embrulhada, não tem isso de amor repentino: mais um movimento de aproximação e ele fugiria ventando. Fui buscar o pires de leite, deixei-o ao alcance do visitante da noite e continuei a ler o romance da virgem dos lábios de mel, mas em voz baixa, intuí que ele preferia o silêncio.”




O gato entregue, portanto, é uma delícia, ele não baixa a guarda para qualquer um não! É preciso conquistar sua confiança, fazer por merecer... sempre respeitando seu espaço, seu momento. 



Brincar com os gatos é uma farra!rs Os meus – Francisco não faz mais isso, já é adolescente rs – adoravam pegar a bolinha que eu jogava, traziam de volta para eu tornar a jogar. (Petit é incansável!rs)




 “E deixei meu hóspede, a casa é sua. Então ouvi o ruído delicado, ele bebia leite, mas não como os cachorros bebem, sofregamente, espirrando em redor. O gato é discreto. Há que amá-lo discretamente, pensei e fiquei sorrindo. Tenho um gato.”

Eu também tenho e os amo! : ) Que as mentes e os corações dos Homens sejam grandes o suficiente para amar e compreender os cães, os gatos e todos os animais, pois a vida com eles é muito mais interessante e afetuosa.


  

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